terça-feira, 15 de abril de 2008

A Globalização

Utilizamos este texto para ser reflectido no RVCC secundário, por isso dispomos aqui para futuros comentários.
Este discurso merece ser lido, afinal não é todos os dias que um brasileiro
dá um 'baile' educadíssimo aos Americanos...


Durante um debate numa universidade dos Estados Unidos o actual Ministro da
Educação CRISTOVAM BUARQUE foi questionado sobre o que pensava da
internacionalização da Amazónia (ideia que surge com alguma insistência
nalguns sectores da sociedade americana e que muito incomoda os brasileiros).
Um jovem americano fez a pergunta dizendo que esperava a resposta de um
Humanista e não de um Brasileiro. Esta foi a resposta de Cristovam Buarque :


'De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a
internacionalização da Amazónia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com
esse património, ele é nosso.

Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a
Amazónia, posso imaginar a sua internacionalização, como também a de tudo o mais que
tem importância para a humanidade.

Se a Amazónia, sob uma ética humanista, deve ser internacionalizada,
internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro... O
petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazónia
para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de
aumentar ou diminuir a extracção de petróleo e subir ou não seu preço.

Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser
internacionalizado. Se a Amazónia é uma reserva para todos os seres humanos,
ela não pode ser queimada pela vontade de um dono ou de um país.

Queimar a Amazónia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões
arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas
financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.

Antes mesmo da Amazónia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos
os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França.

Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo génio
humano. Não se pode deixar esse património cultural, como o património
natural Amazónico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de
um país.

Não faz muito tempo, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele, um
quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido
internacionalizado. Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando
o Fórum do Milénio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em
comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA.

Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser
internacionalizada. Pelo menos Manhattan deveria pertencer a toda a
humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro,
Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua história do mundo,
deveria pertencer ao mundo inteiro.

Se os EUA querem internacionalizar a Amazónia, pelo risco de deixá-la nas
mãos de brasileiros, internacionalizemos também todos os arsenais nucleares dos
EUA.
Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas,
provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas
feitas nas florestas do Brasil.
Nos seus debates, os actuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido
a ideia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da
dívida.

Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do Mundo tenha
possibilidade de COMER e de ir à escola.

Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o
país onde nasceram, como património que merece cuidados do mundo inteiro.

Ainda mais do que merece a Amazónia. Quando os dirigentes tratarem as
crianças pobres do mundo como um património da Humanidade, eles não deixarão que elas
trabalhem quando deveriam estudar, que morram quando deveriam viver.

Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo.
Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazónia
seja nossa.

Só nossa!'

Paulo Freire

Quero Partilhar convosco a homenagem que fiz a Paulo Freire na abertura da minha tese de doutoramento.
Paulo Freire

terça-feira, 1 de abril de 2008

João Francisco de Sousa: A utopia não terá fim

"Claro que o sofrimento é próprio da vida, não nos podemos iludir, mas por outro lado há muitos sofrimentos perfeitamente dispensáveis"
(João francisco de Sousa na revista o Direito de Aprender)
Sem dúvida nenhuma há sofrimentos dispensáveis, a perda de João Francisco de Sousa, no dia 27 de Abril de 2008, é um destes sifrimentos. Deixou na educação popular um vazio imenso. Este homem a quem, em tantos deixou a sua marca, fez Paulo Freire dedicar o livro Pedagogia da Autonomia, salientando uma postura humana, ética e de um intelectualidade orgânica: "À João Francisco de Sousa cujo respeito ao saber de senso comum jamais o fez um basista e cujo o acatamento à rigorosidade científica jamais o tornou um elitista..." (Paulo Freire).
João Francisco marcou a minha juventude, ensinou-me a gostar de Freire, a apaixonar-me pela educação popular, a ser educadora e a permanecer na útopia dos sonhos possíveis. Que a sua morte (violenta em todos os sentidos) nos faça continuar a sonhar por um Brasil, por um mundo de menos dor e de mais respeito. Em síntese, por um mundo mais humano.
Veja uma entrevista realizada com ele na ocasião da sua vinda a Portugal: O Direito de Aprender